A família de Bernadete Pacífico, uma das principais representantes do povo quilombola na Bahia, afirmou que três câmeras de videomonitoramento existentes no local onde ela vivia não estavam funcionando no dia do assassinato da líder, que completou um mês no domingo (17).
Os equipamentos foram instalados pela gestão pública estadual no Quilombo Pitanga dos Palmares, que fica em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. A medida foi adotada porque a ialorixá fazia parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal.
Apesar disso, ela foi assassinada na noite de 17 de agosto deste ano, dentro da casa onde morava, no território do quilombo, enquanto assistia televisão ao lado de três netos. Uma das testemunhas relatou que dois homens invadiram o imóvel e executaram Mãe Bernadete com mais de 10 tiros.
Das sete câmeras instaladas, apenas quatro contribuíram para o processo de investigação e três não estavam com funcionamento adequado, conforme familiares da ialorixá. As polícias Civil e Militar, que investigam o caso, não detalharam o conteúdo registrado pelos equipamentos ativos, na ocasião.
Segundo o advogado David Mendéz, representante da família de Mãe Bernadete, o problema se deu por falta de recursos. O custo médio de manutenção de um equipamento é de R$ 150. O orçamento total do programa é de R$ R$ 1.081.095,74.
De acordo com a ONG Ideas, responsável por gerir o programa, o valor foi estipulado por um convênio assinado entre os governos federal e estadual, no ano de 2022. O termo de colaboração vence em dezembro deste ano.
Entenda abaixo o que aconteceu no caso de Mãe Bernadete:
👉 Segundo com a ONG Ideas, as câmeras de vigilância foram instaladas em 2021, por uma equipe técnica que atuou no PPDDH antes do Ideas assinar o contrato com o governo.
👉 Em nota, a ONG Ideas alegou que o recurso destinado à implementação de equipamentos de segurança é limitado “não só no PPDDH da Bahia, mas em todos os estados que possuem essa política pública”.
👉A ONG afirmou que câmeras só são instaladas em casos excepcionais, diante da análise de risco avaliado pela equipe técnica responsável, que dialoga com o defensor para entender a melhor estratégia a ser utilizada em cada caso.
👉 Como o quilombo já tinha câmeras instaladas por outra equipe técnica, a prioridade de uso do recurso foi instalar em outras comunidades que estavam sob ameaça e ainda não tinham nenhum equipamento do tipo, conforme a ONG.
“Reconhecemos que três câmeras não estavam com o funcionamento adequado. É uma falha, mas essa falha se deve também ao pouco recurso disponível para esse tipo de estratégia de segurança”, pontuou o coordenador do Instituto Ideas, Wagner Moreira.
A reportagem procurou os governos estadual e federal para obter mais informações a respeito, e aguarda retorno.
Quem mandou matar?
O filho de Mãe Bernadete, Jurandyr Wellington Pacífico, acredita que existem outras pessoas envolvidas no assassinato da líder do quilombo Pitanga dos Palmares. No dia 4 de setembro, a polícia informou que três suspeitos de envolvimento no crime foram presos.
Um dos presos teria confessado ser o executor do crime. A polícia não divulgou nenhuma informação sobre a motivação do assassinato, nem se há mandantes. Para Jurandyr, a morte da mãe foi “terceirizada”, ou seja, alguém contratou uma pessoa para matá-la.
“Quero saber é quem mandou executar Mãe Bernadete e o porquê. Eu estou destruído, perdi meu irmão em 2017 e minha mãe agora”, disse.
Morte do filho de Mãe Bernadete
Seis anos antes de Mãe Bernadete ter sido assassinada, o filho dela e irmão de Jurandyr, Flávio Gabriel Pacifico dos Santos, foi morto da mesma forma, com diversos tiros, na área do quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho. Conhecido como Binho do Quilombo, ele tinha 36 anos na época do crime e foi alvejado dentro do próprio carro.
Apesar de o caso ter sido levado para a Polícia Federal, ninguém foi preso e o caso segue sem solução. “A Polícia Federal é detentora do maior leque de tecnologias. Por que não foi feito reconhecimento facial do suspeito de assassinar Binho? As provas estão lá. O carro passou três vezes no pedágio para matar o meu irmão. Por que não elucidou?”.
“O crime de minha mãe repercutiu muito. Por que o crime de Binho do Quilombo não foi para essa fase? Por que a polícia deu as costas do crime de Binho?”, questionou.
Jurandyr acredita que o suposto mandante do assassinato de Mãe Bernadete pode ser o mesmo de Binho. Para ele, se o crime de 2017 tivesse sido solucionado, a líder quilombola ainda estaria viva.
Após perder a mãe, Jurandyr precisou sair do Quilombo Pitanga dos Palmares, onde vivia com a família, por questões de segurança. Ele ainda não foi incluído no programa de segurança da SJDH-BA, porém, é acompanhado por uma escolta da Polícia Militar, 24 horas por dia. Os advogados que representam a família também têm relatado ameaças.
Investigações policiais
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, informou que há três hipóteses investigadas pela Polícia Civil, para a morte de Mãe Bernadete:
- briga por território
- intolerância religiosa
- disputa de facções criminosas
A hipótese que envolve facções criminosas é a mais comentada pela Polícia Civil. Nesta segunda, a Secretaria de Segurança Pública do estado (SSP-BA) disse que os presos são integrantes de um grupo criminoso responsável pelo tráfico de drogas na região de Simões Filho. Ao menos mais um suspeito, que seria o segundo executor do crime, é procurado.
Apesar de a SSP ter divulgado a relação dos suspeitos com facções criminosas, as investigações seguem em curso e por isso, a motivação do crime ainda é desconhecida.
Para Binho, há a possibilidade do crime ter alguma relação com o tráfico de drogas na região, mas não como motivação principal. “Eu acredito no tráfico de drogas como terceirização. Você pode chegar ali e contratar um traficante para matar Mãe Bernadete”, afirmou.
Críticas ao governador da Bahia
Jurandyr criticou a conduta do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues. Ele contou que tem tentado falar com o governador desde o mês passado, contudo, não obteve retorno.
“O governador, até agora, não recebeu nem a mim e nem a minha família. Eu queria saber o porquê. Tem agenda para ir para estádio de futebol, mas não me atendeu ainda”
Nesta segunda-feira, o governo do estado enviou um comunicado para a imprensa sobre o caso de Mãe Bernadete. Jerônimo garantiu ter pedido celeridade na investigação do caso e ter exigido que o quarto envolvido seja preso.
(G1)