No jogo pelo Oscar, toda atriz indicada precisa seguir um manual de conduta não escrito: sorrir, desfilar em vestidos de grife e oferecer sua reputação como sacrifício ao altar de Hollywood. Qualquer deslize vira espetáculo. Em uma das temporadas mais sangrentas da história recente, duas novatas na premiação, ambas forasteiras em território americano, encontram-se no centro do picadeiro: Fernanda Torres, brasileira, herdeira de um legado familiar no cinema; e Karla Sofía Gascón, espanhola radicada no México e primeira mulher trans indicada ao prêmio de Melhor Atriz.
A guerra não é exatamente entre elas, mas entre as campanhas, os fãs e o tribunal da internet, que vasculha qualquer detalhe do passado para alimentar o frenesi da temporada.
Duelos de polêmicas
Gascón lançou a primeira fagulha ao insinuar que aliados de Fernanda Torres estariam minando o trabalho dela e de Emilia Pérez. O vídeo circulou no X (antigo Twitter), onde alguns clamaram que a atriz teria quebrado as regras da Academia. Uma investigação foi aberta, mas a conclusão foi clara: não houve infração.
Dias antes, foi a vez de Torres ser arrastada para o fogo. Um esquete de 2008 em que a atriz aparecia em blackface ressurgiu e chegou às manchetes internacionais, levando-a a um pedido de desculpas na Deadline. O impacto, no entanto, pareceu limitado a Brasil e Portugal, com a curva de interesse já em declínio.
Então veio o revide. Após a repercussão da controvérsia de Torres, internautas desenterraram postagens de Gascón entre 2020 e 2021, incluindo comentários sobre George Floyd e a comunidade muçulmana na Espanha. Diante da repercussão, a atriz desativou sua conta no X.
“Os tuítes antigos são provavelmente fatais para a campanha dela”, avalia Michael Schulman, autor de Oscar Wars. “O blackface é ofensivo, mas ainda era parte do humor até uma década atrás. Já os posts de Gascón são explicitamente racistas e atacam uma população específica.”
Além disso, Emilia Pérez enfrenta críticas de grupos LGBTQIA+ e mexicanos. A GLAAD classificou o filme como um retrato “retrógrado” de uma personagem trans, enquanto o diretor Jacques Audiard admitiu que não fez pesquisas aprofundadas sobre o México porque “já sabia muita coisa”. No Rotten Tomatoes, o filme amarga 19% de aprovação do público, enquanto Ainda Estou Aqui, de Torres, ostenta 99%.
A briga beneficia alguém? Sim, Demi Moore.
Se a batalha entre Torres e Gascón parece prejudicar ambas, há uma atriz colhendo os frutos da turbulência: Demi Moore.
“A campanha pelo Oscar é como uma campanha política”, explica Debra Birnbaum, estrategista de premiações. “Não basta atuar bem, é preciso vender uma narrativa.” E, segundo ela, Moore acertou o tom: reassumiu seu espaço em Hollywood, celebrou sua performance e se blindou de polêmicas.
Fernanda Torres, apesar dos obstáculos, também conseguiu construir uma narrativa eficiente. “Ela praticamente carregou Ainda Estou Aqui até o Oscar. Sua atuação é impressionante”, elogia Birnbaum.
No GoldDerby, site especializado em previsões, Demi Moore lidera as apostas para levar o Oscar. Enquanto isso, a disputa entre Torres e Gascón parece cada vez mais uma guerra de desgaste, onde a estatueta pode acabar nas mãos de quem melhor souber se manter fora da confusão.
Hollywood adora um comeback, mas detesta caos. E, nesta temporada, a vantagem está com quem souber jogar o jogo sem se perder nele.
@midiafestof