Em cartaz em São Paulo com seu primeiro monólogo, Prima Facie, Débora Falabella enfrenta o desafio de estar sozinha no palco por 90 minutos em uma performance de intensidade física e emocional raramente vista. Sob a direção de Yara de Novaes, a peça — que estreou uma nova temporada após o sucesso em 2024 — traz a história de Tessa, uma advogada criminalista bem-sucedida que vê sua visão de mundo desmoronar ao se tornar vítima de um estupro.
A atuação de Falabella é um espetáculo em si. No primeiro ato, a atriz parece ter absorvido completamente o texto da dramaturga australiana Suzie Miller, transformando cada palavra em gestos precisos, mudanças sutis de postura e até variações no figurino e penteado. Seu domínio de cena é absoluto: não há pausas, não há atalhos. Tudo é dito e feito com vigor, capturando a atenção do público enquanto a personagem se orgulha de sua habilidade em explorar brechas da lei para vencer casos no tribunal.
A virada acontece quando Tessa, que sempre jogou o jogo jurídico sem questioná-lo, se torna vítima da mesma estrutura que antes defendia. A cena do estupro não é dramatizada, mas narrada de maneira distanciada, quase documental. Falabella, por instantes, parece sair da atuação para expor uma ferida social sem recorrer ao sensacionalismo.
Na segunda metade do espetáculo, a interpretação ganha um tom mais contido e realista, transformando-se quase em uma denúncia. Ainda que algumas palavras do texto original escapem aqui e ali, a atriz nunca perde o fôlego, conduzindo a peça com precisão impressionante. O peso do sistema judiciário — dominado por homens e frequentemente falho na proteção das vítimas de violência sexual — é traduzido no cenário: cadeiras empilhadas que simbolizam a hierarquia jurídica e são escaladas pela protagonista em um jogo de poder.
O impacto de Prima Facie vai além do palco. A peça, que já passou pela Broadway e outras partes do mundo, chamou a atenção de Raquel Dodge, ex-procuradora-geral da República, que articulou uma apresentação em Brasília para uma plateia de ministros, juízes e promotores.
Sozinha, mas jamais em silêncio, Débora Falabella ocupa o palco como se contracenasse com diversos personagens. Do êxtase ao desamparo, da confiança à vulnerabilidade, sua atuação traduz não apenas a dor de Tessa, mas a solidão estrutural e histórica de tantas mulheres que enfrentam um sistema que não foi feito para elas.
Prima Facie
Quando: Sextas e sábados, às 20h; domingos, às 18h. Até 30/3
Onde: Teatro Vivo – Av. Doutor Chucri Zaidan, 2460, São Paulo
Preço: R$ 150
Classificação: 12 anos
Autoria: Suzie Miller
Elenco: Débora Falabella
Direção: Yara de Novaes
Ingressos
Avaliação: ★★★★★ (Excelente)
@midiafestof
